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Entrevista (Imaginária) com Santo Antonio Maria Claret

P. Já se refez dos trabalhos do Concílio?

R. Não diria que estou refeito, sendo um ancião de saúde alquebrada, mas diria, encontro-me melhor aqui do que com os calores sufocantes de Roma. Ademais, tenho que manter-me até o final. Olhe, sou como uma vela que arde, gasta a cera e ilumina até se apagar.

 P. Está satisfeito de como foram as coisas?

R. Eu sempre acreditei que os concílios são um meio extraordinário de renovação da Igreja, mas, sinceramente, sofri bastante. Como você sabe, não sou muito levado a disputas estéreis. Muitos dias eu saía da aula conciliar com a cabeça carregada soando como um bumbo. E até acredito que alguns desgostos provocados pelas coisas que ouvia fizeram subir o sangue para a cabeça e me produziram uma embolia cerebral. Contudo, Deus nosso Senhor saberá tirar proveito de tudo o que aconteceu.

 P. Que disse hoje aos jovens seminaristas?

R. O de sempre. Você já sabe que os velhos gostam de repetir muito as coisas. Disse-lhes que o amor a Deus e à ciência são como as duas asas ou os dois pés do sacerdote. Cada vez mais vejo tudo isto mais claramente. Olhe, um sacerdote poderá ter muitas qualidades, mas se não tiver amor a Deus, tudo o resto será inútil. Agora, com o amor tudo se consegue. Vemos isto claramente em São Pedro quando sai do cenáculo ardendo no fogo de amor que havia recebido do Espírito Santo. O resultado foi que em dois sermões converteu oito mil pessoas. Assim, a virtude mais necessária é o amor. Não é isto o que repete o ancião São João no final da sua vida em todas as suas cartas? Pois bem, você está vendo que não estou muito errado!

P. Não sei se gostaram muito do assunto do estudo.

R. Creio que sim. Eu, que sou muito prático, sempre fui ao mesmo tempo afeiçoado ao estudo. Inclusive quando era jovem, quando estava em Barcelona, dedicava-me com afinco a estudar as técnicas de fabricação e a gramática castelhana e francesa. Digo uma coisa: sem estudo não é possível pregar bem o Evangelho ao povo hoje. Mas, ao mesmo tempo, disse a eles que rezassem a oração que eu rezo quando me coloco sobre os livros: “Senhor, eu estudo para mais vos conhecer, amar e servir e para mais ajudar o meu próximo”.

Aproxima-se o Padre Clotet com uns cadernos na mão. Diz algo ao ancião Arcebispo, trocam palavras e se retira em seguida.

R. Sei que este livrinho será o último. Eu o escrevi nestes dias, aproveitando este tempo em que estava melhor de saúde. Agora pedi ao Padre Clotet que o envie a Barcelona para que o publiquem. Sempre gostei de escrever. Já perdi a conta de tudo o que saiu da minha pena. E, sabe por que eu gosto tanto? Porque as palavras são levadas pelo vento, mas o escrito permanece. Nem todos querem ou não podem ouvir a divina palavra, mas todos podem ler ou ouvir a leitura de um bom livro. Nem todos podem ir à igreja para ouvir a divina palavra, mas o livro irá à sua casa. Saiba uma coisa, os livros devem ser pequenos, porque o povo hoje anda apressado e se move muito por todas as partes. Ademais, o povo viaja; se o livro for grande, não será lido; servirá somente para carregar as estantes das livrarias e bibliotecas.

P. O Sr. se lembra de algum livro com carinho?

R. Muitos, muitos. Acho que, graças a Deus, todos os livrinhos produziram bons resultados, mas o que produziu mais conversões foi o “Caminho Reto” e “O Catecismo Explicado”.

P. Todo mundo sabe que são dois autênticos “best sellers”.

R. Não entendo bem o que quer dizer, mas posso garantir que a leitura destes dois livros produziu muitíssimas conversões. Até foi feita uma edição de luxo para a família real!

P. O Sr. me permite um salto no tempo? O que aconteceu naquela tarde de 16 de julho de 1849?

R. Olhe, entre outras coisas, este ancião era mais jovem e estava mais quente o ambiente no velho seminário de Vic que neste rincão de Prades. Mas, imagino que você se refere à fundação da Congregação, não é? Olhe, tinha eu 41 anos e fazia dois meses que tinha voltado de Canárias; estava feliz da vida. Depois de falar com vários amigos meus e com o bispo Casadevall, nos reunimos em uma pequena cela de seminarista para começar os santos exercícios espirituais. Nós éramos pouquíssimos.

P. Acho que um do grupo lamentou-se por serem poucos, não é?

R. Acho que foi o Padre Vilaró que me perguntou como íamos começar uma grande obra se somos tão poucos. Mas eu sabia que era uma obra de Deus. Assim encorajei a todos. Desde então passaram-se 21 anos.  Como você vê, as coisas se complicaram muito. Por isto devemos acreditar nas palavras do salmo 22 que meditamos naquela tarde: “Tua vara e teu cajado me dão segurança”. Nossos apoios, acredite, não são o dinheiro ou o número de pessoas ou as missões que preguemos, mas a santa cruz e Maria Santíssima.

P. Não quero cansá-lo, excelência, mas quer acrescentar algo?

R. Se você tiver oportunidade, diga aos missionários que tenham sempre um amor terno e doce ao Coração de Maria. Eu me fiz missionário precisamente na frágua do seu Coração.

Soube que uns dias mais tarde, no dia 6 de agosto, festa da Transfiguração do Senhor, o ancião arcebispo saía de manhãzinha, em uma carruagem, acompanhado pelo Padre Xifré, para o Mosteiro de Fontfroide. Morreria dois meses e meio depois. Estava doente. Sentia-se perseguido. Mas eu tive a impressão de encontrar-me já com um transfigurado.